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sábado, 16 de novembro de 2013

Edição de Novembro de 2013

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Conteúdo:

1. Editorial: O bom seminário

2. Luiz Eduardo Soares: É o fim

3. Fernando Cardim de Carvalho: As Ciências Sociais e a Crise

4. “A mulher e a casa” A paixão de uma historiadora pelo romance entre uma senhora de escravos e um abolicionista: Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco - Eneida Queiroz

5. John Doe e o corpo de Gram Parsons - Illan Benoliel

6. A atualidade do Rap da Felicidade - Diego Uchoa

7. Agora, mas não o Agora, grupo do qual o Jean fez parte - Claudio Cabral

Luiz Eduardo Soares: É o fim

Luiz Eduardo Soares é professor de antropologia e ciência política na UERJ. Foi Secretário de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro (1999-2000) e Secretário Nacional de Segurança Pública (2003). É co-autor de Elite da Tropa (2006) e Cabeça de Porco (2005) e autor de Meu Casaco de General(2000), e Legalidade Libertária (2006), entre outros títulos. 






a Vicente Guindani

O novo presidente do Senado chama-se Renan Calheiros. Se você, calouro, jovem estudante da UFF, não se lembra desse nome, um gole no Google refrescará sua memória. Mas não é disso que pretendo tratar. Quero refletir sobre o que ele disse, em seu pronunciamento histórico: “A ética não é fim, é meio.”

Pois eu digo: é o fim.

Segundo Renan, o fim é o desenvolvimento do país. Em outras palavras: pode-se alcançar a finalidade desejada (aqui, para efeito do argumento, não importa qual ela deveria ser; posso deixar ao senador a escolha) por meio ético ou anti-ético (como observou Vicente Guindani, em sua página no Facebook). Portanto, o fim visado independe do meio empregado para atingi-lo. Seu valor independe do meio adotado. Seu conteúdo é autônomo, relativamente ao juízo ético. Ou talvez o senador preferisse afirmar que o fim contém, sim, valor e mereceria avaliação sobre sua qualidade ética, mas tal qualidade não guardaria relação com o meio mobilizado para construi-lo. Ou seja: a melhor sociedade possível, segundo qualquer critério, poderia perfeitamente ser fruto de uma carnificina. O genocídio não macularia a pureza de sua arquitetura sublime.

Já se viu aonde nos leva a teoria Calheiros sobre a dissociação entre meios e fins: não haveria nenhum problema com a corrupção, desde que os fins fossem elevados. Tampouco seriam questionáveis práticas ostensivamente anti-éticas, mesmo as truculentas, desde que se pusessem a serviço de finalidades nobres. Foi essa a tese postulada pelo General Ernesto Geisel, penúltimo ditador do regime militar inaugurado com o golpe de 1964, em seu depoimento ao CPDOC, da FGV, quando lhe perguntaram sobre a tortura: em certas situações, é necessária, é defensável, admitiu o déspota ancião. Pelo menos ele teve a hombridade de confessar o que pensava e o que fez, ou mandou fazer, aos presos políticos. Outros líderes da ditadura foram pusilânimes e hipócritas. Essa virtude, entretanto, não torna seus crimes menos graves.

E o que dizem aqueles policiais que continuam torturando, depois do fim da ditadura? Afirmam o mesmo: se o fim é nobre, o mais torpe dos meios justifica-se. É a teoria Bush, aplicada em Guantânamo e nas masmorras que a CIA mantém mundo afora. O discurso não muda: para salvar a vida de uma criança sequestrada no Rio de Janeiro; para livrar o Brasil dos riscos de ver-se tragado pelo abismo comunista; para salvar a civilização ocidental ameaçada por atos de terror nuclear: tortura-se o suspeito. Foi também o que fizeram –e com a mesma racionalização-- os soldados de De Gaulle na Argélia, os operadores de Fidel em Cuba, os fascínoras de Pinochet no Chile e os açougueiros do partido comunista na Coréia do Norte. Como foi a praxe entre nazistas, stalinistas e os tiranos de todos os tempos.

A teoria Calheiros não é apenas inconsistente, filosoficamente. Ela é parte de uma linhagem histórica cujo rastro de sangue mal se oculta sob a retórica ornamental. Nesse campo, caminham de mãos dadas a corrupção patrocinada pelas melhores intenções socialistas; os golpes de mesa no movimento estudantil, tramados pela sagacidade dos militantes sectários; os dossiês forjados pela esperteza dos políticos progressistas; e o pau de arara dos verdugos da direita mais selvagem.


Nos livros sagrados da esquerda dogmática, direitos humanos e ética humanista não passam de categorias decadentes do vocabulário pequeno-burguês. Nas Bíblias da direita, essas categorias são meros artifícios românticos e idealistas para defender bandidos ou para enfraquecer a defesa da lei e da ordem. Rejeito ambas as visões, e as considero cínicas e manipuladoras. De meu ponto de vista, o postulado kantiano permanece insuperável: a dignidade do ser humano constitui um fim em si mesmo e não pode ser reduzida a instrumento ou meio para quaisquer fins, mesmo que sejam os mais elevados. Quando aceitamos a menor concessão nessa matéria, sacrificamos, irremediavelmente, as ideologias mais generosas, as mais belas utopias e a própria razão da esperança na política. Torturas e violações dos direitos humanos são intoleráveis, estejam a serviço de poderes à direita ou à esquerda. Até porque poderes que torturam merecem uma única qualificação: impostura. Por outro lado, os fins carregam consigo as virtudes ou os horrores dos meios empregados para alcançá-los. São os meios que sopram no oco do fim edificado sua alma.

Fernando Cardim de Carvalho: As Ciências Sociais e a Crise

Fernando J. Cardim de Carvalho é professor Emérito do Instituto de Economia da UFRJ, além de ser um dos mais ilustres pós-Keynesianos do Brasil. Entre suas publicações mais importantes vale citar Mr Keynes and The Post Keynesians: Principles of Macroeconomics for a Monetary Production Economy (1992), e Dívida Pública: Propostas para Aumentar a Liquidez (2003), além de diversos artigos. 



Como se tornou impossível ignorar, desde 2007, quando a crise financeira se iniciou nos Estados Unidos, e 2008, quando ela contagiou um grande número de países (inclusive o Brasil), o mundo praticamente inteiro vive uma situação de crise econômica e social profunda. O desemprego na União Europeia como um todo é superior a 11% da população economicamente ativa (o que exclui aqueles desempregados que já desistiram de procurar empregos, chamados de “desencorajados”), mas chega a um quarto da PEA (população economicamente ativa) em países como a Espanha. Jovens são particularmente punidos pela falta de oportunidades de trabalho. Na Espanha, novamente, cerca de metade dos jovens com idade suficiente para ingressar no mercado de trabalho não encontram emprego. A emigração voltou a ser a saída para um grande número de jovens na Espanha, Irlanda, Portugal, Grécia e outros países europeus, como no final do século XIX. Diferentemente daquela época, porém, esses países são abandonados por jovens com formação universitária, cuja qualificação para o trabalho mais produtivo um dia será amargamente lembrada com saudade e cobiça por sociedades envelhecidas e empobrecidas, que com certeza lembrarão dos tempos em que a parte mais promissora de sua juventude foi forçada a buscar construir sua vida em outro lugar. Nos Estados Unidos a situação não é tão dramática, pelo menos no momento, mas o desemprego também prossegue elevado, cerca de 9%, a economia prossegue mantendo uma taxa de crescimento medíocre, e o horizonte continua marcado por nuvens negras, em uma permanente ameaça de novas tempestades. Para nós, no Brasil e em outros países ditos “emergentes”, a ilusão de que estaríamos protegidos destes ventos solares, se desfez rapidamente no ano passado, em que se aprendeu que é possível minimizar seus impactos (embora não seja possível simplesmente anulá-los), mas apenas através da adoção de políticas econômicas muito mais eficientes e nem planejadas do que o que se praticava até então e cujo perfil mais exato ainda é objeto de busca.

Em meio a tudo isso, pesquisadores e estudantes de ciências sociais (inclusive economia e história) veem-se em uma posição peculiar, frente a uma oportunidade única, eu não diria em cada geração, mas, na verdade, em pelo menos duas ou três gerações. A crise atual já dura, se contada a partir do inicio de 2007, mais de cinco anos, sem solução à vista. Praticamente ninguém aposta em uma recuperação efetiva em menos de cinco anos, e muitos sugerem pelo menos dez anos antes que as dificuldades possam ser dadas como superadas. Se a crise, por intervenção divina (ou, como diríamos nós, pela intervenção de fatores exógenos) acabasse hoje, por sua duração, alcance e intensidade ela já seria classificada como uma depressão. Economias capitalistas conhecem frequentes períodos de dificuldades. Na verdade, costumam ser tão frequentes e sistemáticos, que um ramo importante da teoria econômica se dedica há muitas décadas exatamente ao estudo dos chamados “ciclos econômicos”, isto é, o fenômeno da repetição periódica de períodos de expansão e contração, chamados de prosperidade e recessão. Usando uma expressão que costumava ouvir de minha bisavó, a teoria dos ciclos nada mais é do que uma versão formalizada do princípio de que não há mal que sempre dure, nem bem que nunca se acabe. Períodos de prosperidade sempre serão inevitavelmente sucedidos por recessões (ainda que perceber a sucessão de fases seja mais fácil do que conseguir descobrir uma razão sólida para isso).

Não é disso que se fala quando se fala de uma depressão. Depressões são situações em que a contração é tão forte e profunda que a repetição de fases é interrompida, sabe-se lá por quanto tempo. Uma depressão não é apenas uma recessão especialmente dura, mas uma situação em que os mecanismos normais de recuperação da economia são danificados em tal extensão que essa recuperação só poderá ser conseguida pela intervenção de algum fator exógeno (novamente, talvez alguma divindade, mas mais provavelmente o Estado mesmo).

É consenso entre analistas que o mais próximo da situação que conhecemos pode ser encontrado na Grande Depressão da década de 1930. Naquela década, a crise iniciada com o colapso do sistema bancário norte-americano entre 1931 e 1933 levou a economia daquele país, e o resto do mundo, a uma situação da qual só se conseguiu sair com o início da Segunda Guerra Mundial, que, do ponto de vista econômico, nada mais foi do que um período de enorme crescimento de gastos públicos, redinamizando as economias envolvidas.

Observar o desenrolar de uma crise como a atual é um privilegio dos estudantes e pesquisadores de ciências sociais. Mal comparando (ou talvez bem comparando), é como ser um epidemiologista nos tempos da Peste Negra. Pode-se observar “ao vivo” e em “tempo real”, como esses processos se desenrolam, como o colapso financeiro americano de 2007/2008 se transmutou na crise da dívida pública na Europa, na reorientação do crescimento chinês para o mercado interno, na busca de novas estratégias de crescimento no Brasil. Mas a oportunidade não existe apenas para economistas. Observar a polarização política nos Estados Unidos ou, um fenômeno ainda mais significativo, a desintegração de sociedades como a grega, ou a emergência de partidos políticos de extrema-direita em praticamente toda a Europa, as ameaças a própria existência da União Europeia, o desenrolar das tensões políticas na China, fenômenos que se não resultam da crise são fortemente influenciados por ela, é um desafio para estudantes de ciência política, sociologia, história. Até mesmo a geografia mais tradicional está sendo desafiada pelas iniciativas gregas, por exemplo, de vender parte de seu território (especialmente suas cobiçadas ilhas) para pagar o que lhes é  imposto pelos credores europeus.


A grande depressão dos anos 2010 representa, portanto, uma grande oportunidade de estudo para cientistas sociais de todas as áreas. Não é razão para euforia, é claro, porque se trata de um período de intenso sofrimento para um número astronômico de pessoas em todo o mundo. Mas vale sempre a pena lembrar que do estudo gerado pela grande depressão dos anos 1930 emergiram políticas que garantiram o maior período de prosperidade conhecido na história do capitalismo, no pós-Segunda Guerra. É importante não apenas torcer para que desta crise possamos sair com um conhecimento de processos e de instrumentos de intervenção igualmente eficientes. É preciso investir esforços e pesquisas para que isto ocorra. 

Editorial: O bom seminário

Em primeiro lugar, gostaríamos de dizer que aqui não vai nenhuma acusação moral. Passar seminários não é sinal de falcatruagem. O que é objeto, aqui, de crítica, é o seminário longo, em que o professor abre mão de mais de uma hora de sua aula, deixando-a nas mãos de grupos (às vezes enormes!) de alunos. Não é a apresentação de textos por alunos. Que haja um ou mais responsáveis por um texto em uma aula é ótimo. Não se trata, tampouco, de apresentações curtas em que o protagonismo do professor (que foi quem, afinal, nos motivou a nos inscrevermos na disciplina) não é posto em questão.
De qualquer forma, talvez tenhamos aqui um espaço privilegiado para dar um feedback a nossos bons professores (os que podemos sensibilizar!) sobre os seminários de alunos que são, infelizmente, muito comuns. Cabe dizer que a ausência maciça de alunos nesse tipo de seminário, quando a presença não é cobrada, não é sinal de nossa falta de seriedade. É, sim, sintoma do que procuraremos descrever aqui.
Ao legar a um grupo de 3 a 7 alunos a responsabilidade de preparar uma aula (que é o que é, afinal, um seminário), um professor decerto dá a este grupo uma oportunidade única de aprendizado – afinal, terá de ser professor por um dia, com todas as investigações bibliográficas que esta atividade pressupõe.
Preparar esta aula não é, no entanto, a principal atividade profissional dos que preparam o seminário. Geralmente, a aula em questão será, também, o primeiro contato que terão com o material a ser apresentado. O fato de ela valer ponto contribui para grande tensão e ansiedade por parte dos que apresentam.
O resultado, para os que assistem seus colegas, costuma ser bem pouco apelativo. Há um acordo tácito entre os que apresentam e os que assistem para que não haja perguntas, para não complicar a vida dos que estão na frente, que afinal se preocupam com a nota a receber. O que se desenvolve é, portanto, um simulacro de aula, que uns assistem e outros dão aula, ambos motivados por desagradável obrigação. Invariavelmente, o grupo ultrapassa o tempo limite que tinha, e uma possível discussão a ser feita no final da aula não acontece.

Em suma: não é que se devam proibir seminários. Mas eles devem ser tratados, de forma geral, com mais cuidado. Não são bons substitutos de professores, pelo contrário: bons seminários, curtos, com discussão, parecendo-se menos com aula e mais com apresentações de textos específicos (de preferência sendo possível que os demais alunos os tenham lido!) são o ideal.

“A mulher e a casa” A paixão de uma historiadora pelo romance entre uma senhora de escravos e um abolicionista: Eufrásia Teixeira Leite e Joaquim Nabuco - Eneida Queiroz

A personagem que narra este romance é uma historiadora. Narradora de um livro, cuja primeira frase é um conselho: “não façam história”. E assim, pela via da negação, o enredo segue como uma declaração de amor à história do Brasil.

Aqueles que fizeram faculdade de história provavelmente sentiram a mesma angústia que eu e alguns colegas sentimos, ao vermos o final da graduação se aproximar. Não só porque gostávamos do curso, mas também porque se aproximava o desemprego: o que fazer? Prosseguir nos estudos com mestrados e doutorados? Com quais garantias de futuro? Dar aulas em escolas? Fazer pesquisa? Onde? Por qual salário?
Essa não é angústia que recai só sobre os graduandos de história, recai sobre inúmeras carreiras, mas entre os alunos das ciências humanas costuma ser mais cruel. Entretanto, mesmo diante de algumas desistências (como colegas que fazem outra graduação, que partem para os concursos públicos de tribunais e bancos, que seguem para outros trabalhos), alguns persistem. Por quê?
Porque gostam.  
Sim, nós amamos história. Como disse Marc Bloch ao seu neto, a história nos diverte. E para alguns: isso basta.
Para mim, que sou graduada e mestre em história pela UFF, essa diversão quase sempre me bastou. Via-me por vezes imersa e encantada com os textos das disciplinas (ou ao encontrar as fontes do meu mestrado no Arquivo Nacional), por outras preocupada com as poucas oportunidades da carreira. E, assim, entre amar a história e me repreender pela escolha da carreira, não me via recomeçando do zero em outra graduação.
Passei no concurso para historiadora do Instituto Brasileiro de Museus (Ibram), uma autarquia do Ministério da Cultura. Esse foi um concurso com vagas para museólogos, sociólogos, arqueólogos, historiadores, antropólogos: nós de humanas. Tive contato com inúmeros museus que não conhecia, seus acervos e histórias fantásticas. Um deles me chamou mais atenção: o Museu Casa da Hera, em Vassouras, onde viveu a financista Eufrásia Teixeira Leite. E eu, que sempre amei a história assim como amo a ficção, acreditei que poderia narrar a história desse museu (e de seus personagens) por intermédio de uma historiadora tão apaixonada, e ainda assim tão dividida, quanto eu e outros tantos que conheço: Desirée.
Desirée é uma mistura de inúmeros colegas da graduação e do mestrado. Para aqueles que tentam me encontrar nela, eu digo: não sou eu, somos nós. Assim, frustrada com os baixos salários e as poucas oportunidades da carreira, Desirée tenta alertar os leitores sobre os perigos dessa opção de vida. Mas ela própria não consegue se desvencilhar da carreira que tanto ama.
Apaixonada por história do Brasil, a personagem descobre no novo trabalho a história de Eufrásia Teixeira Leite e o abolicionista Joaquim Nabuco. Ao começar a trabalhar na antiga residência de Eufrásia, a protagonista é surpreendida por esse romance e faz uma viagem sem volta ao século XIX, por meio das cartas trocadas entre os dois.
Eufrásia Teixeira Leite foi uma mulher do século XIX que decuplicou a herança do pai no mercado financeiro, doou-a para instituições de caridade religiosas de Vassouras, não se casou nem teve filhos, um fenômeno raro para a época. No entanto, corre a lenda de que ela teria pedido para ser enterrada com as cartas do noivo. Percebi, de imediato, que havia uma complexidade naquela mulher que precisava ser explorada.
O noivo era o famoso Joaquim Nabuco. Como se não bastasse a luta pela abolição da escravatura na qual se engajou (que foi uma das maiores batalhas políticas desse país), Nabuco foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras, amigo de Machado de Assis, amigo de Eça de Queirós, deputado, diplomata, e historiador.
Rica e inteligente, esta senhora de escravos desperta uma paixão inconciliável no abolicionista. O famoso casal vive uma história de amor entre o Brasil e a Europa, com muitas correspondências, viagens e encontros. Amor que só se concretiza, quando os dois equalizam as divergências ideológicas e tornam-se um só sentimento, ainda que por pouco tempo.
A ideia do romance era fazer Desirée e os leitores terem contato com as cartas escritas por Eufrásia, transcrições das originais guardadas pela Fundação Joaquim Nabuco, e encontrar as desaparecidas cartas escritas por Nabuco. E, assim, costurá-las com os eventos históricos que o país vivia. Fiz questão de casar as cartas com os diários de Nabuco, e toda vez que Eufrásia era mencionada, eu transcrevia o que ele dissera e recriava a cena: como o primeiro Natal em Paris, o reencontro com ela em Roma alguns meses após o término do noivado, o reencontro na casa da Princesa Isabel. Isso tudo aconteceu, ele próprio documentou. Também recriei algumas cenas de infância que Nabuco narrou no livro Minha formação. Entre os gaps das fontes, a ficção do romance saltava mais alto, mas sempre tentando amparar-se na verossimilhança.

Desirée submergiu nas águas escuras da história e eu ainda não consegui reencontrá-la.

Se você, assim como ela, também se perde em seus textos e suas fontes com tanta facilidade, e quiser ler o livro, ele pode ser encontrado em seu formato digital no site da Livraria Saraiva. O livro físico pode ser encontrado no site da Editora Baraúna ou no site da Livraria da Travessa.

Eneida Queiroz é graduada e mestre em História pela UFF

John Doe e o corpo de Gram Parsons - Illan Benoliel

Quando me pediram para escrever este  texto, não sabia sobre o que poderia ser. Outro dia, vi um filme sobre a história de um músico que já venho acompanhando há algum tempo, chamado Gram Parsons. Gram era um músico na década de 60 e 70 e fez parte de diversas bandas, como The Byrds e o Flying Burrito Brothers. Foi um dos principais precursores do country-rock e diversas bandas o têm como principal influência, como Poco, Eagles e o Pure Prairie League. Também era um grande amigo de Keith Richards e o ajudou a escrever Wild Horses. Mas não é sobre a vida dele que quero falar, apesar de contar um pouquinho sobre ela no início desse texto, mas sim sobre sua morte. Mais precisamente o que aconteceu com ele depois de morrer.



A infância de Gram não foi fácil, apesar de vir de uma família rica. Seu pai era depressivo, e, quando Gram tinha apenas 12 anos, cometeu suicídio. Dois anos depois sua mãe se casa com Robert Palmer, e pouco depois morre de cirrose, causada por um problema com bebida. Quando Gram foi para a faculdade, começou a perseguir seu sonho de ser um músico de country e a se associar a bandas, até que montou a The International Submarine Band, que lhe trouxe algum reconhecimento. Depois se juntou ao The Byrds, que já fazia grande sucesso nos Estados Unidos. Gram saiu do Byrds depois de se recusar a tocar num show na África do Sul do Apartheid. Sem banda, se juntou ao Flying Burrito Brothers, onde passou mais alguns anos, antes de começar sua carreira solo, quando descobriu uma das vozes femininas mais famosas do country, Emmylou Harris. Ela participou dos dois álbuns que Gram gravou, um deles só lançado após a sua morte.

Gram tinha um road manager, Phil Kauffman, que tomava conta de todos os seus assuntos enquanto ele estivesse na estrada. Parsons gostava de passar seu tempo livre num parque na Califórnia chamado Joshua National Park. Ele e Phil eram grandes amigos e eles tinham o seguinte pacto: o primeiro que morresse seria cremado ali.


Após completar o segundo álbum de sua carreira solo, Gram decide ir ao Joshua National Park para comemorar. Mas no dia de 19 de setembro, é descoberto morto em sua cama no hotel do parque.

Após o triste incidente, Phil entrou em contato com o seu padrasto, Robert Palmer, que estava organizando o funeral de Gram em sua terra natal, no Texas, para o qual nenhum de seus amigos, feitos ao longo da sua carreira musical, seria convidado. Explicou a ele que o desejo de Gram era ser cremado no parque, mas seu padrasto nem considerou a possibilidade. Com o padrasto irredutível, Phil decide tomar uma ação drástica.

Enquanto o corpo esperava no aeroporto de Los Angeles para ser buscado por Robert, que vinha do Texas para isso, Phil Kauffman contrata um carro funerário para sequestrar o corpo de Gram, um carro amarelo com pequenas flores desenhadas em suas laterais. Chegando ao aeroporto, Phil corrompe um agente funerário e preenche diversos documentos como se o corpo que estava levando fosse de um John Doe (Zé Ninguém). Com isso, acaba conseguindo raptar o corpo de um dos grandes músicos do rock’n roll e de seu grande amigo Gram Parsons.

Enquanto tudo isso acontece, uma ex-namorada de Gram tentava arrumar um jeito de fraudar o testamento para incluir seu nome; por isso entra também na corrida para conseguir chegar ao corpo de Gram, a essa altura já resgatado por Phil.

Começa então uma das perseguições mais bizarras da história da música: Phil fugindo com o corpo enquanto Robert alugava um carro para ir atrás; atrás dos dois, a ex namorada de Gram.

No meio do caminho Phil para em um posto para fazer um lanche, e sem entender nada de como cremar um corpo, compra cinco litros de gasolina. Perto de chegar no parque, Robert consegue alcançar o carro onde está Gram mas Phil acaba por convencer Palmer a os deixar irem até o final. Mas a ex ainda estava na perseguição, e quando Phil finalmente alcança o parque, joga a gasolina e bota o fogo no corpo, ela estava sendo parada pela polícia e estava tentando convencer um guarda a ajudá-la. Os dois se assustam quando um grande clarão aparece no céu.

Quando Phil jogou o isqueiro dentro do caixão com toda aquela gasolina no meio do deserto, Gram não cremou, simplesmente. A quantidade de gasolina era tanta que o corpo explodiu numa bola de fogo no céu, deixando uma mancha preta no chão que está lá até hoje onde tudo aconteceu.

O clarão serviu para as autoridades (que também estavam a procura do corpo e de seu sequestrador) descobrirem o seu paradeiro. Mas como não existiam leis contra sequestrar corpos, Phil foi apenas multado em 750 dólares por deixar 16 quilos de pedaços de corpo queimados pelo parque.

Depois disso, o que restou do corpo foi levado e enterrado em um cemitério em Louisiana. Hoje em dia existe um memorial a Gram Parsons no parque onde tudo aconteceu, e Phil acabou por escrever um livro contando suas histórias como road manager, que conta esta e muitas outras. E a música de Gram sobrevive até hoje.

A atualidade do Rap da Felicidade - Diego Uchoa

“Eu só quero é ser feliz
Andar tranquilamente na favela onde eu nasci, é
E poder me orgulhar
E ter a consciência que o pobre tem seu lugar”

Com certeza, a maioria da população das cidades brasileiras já ouviu esses versos escritos por Cidinho – cantado pela dupla de MC’s Cidinho e Doca –, verdadeiro hino do funk carioca dos anos 1990 ao lado de outras letras como o Rap do Silva e Rap do Solitário. A música, um verdadeiro desabafo, hoje conquistou seu espaço no “asfalto” e saiu do seu cárcere de onde ficou durante um bom tempo, principalmente, devido à associação feita pela classe média e alta do funk com o movimento do tráfico de drogas e da violência que assombra a cidade desde os anos 1980. Muitos esquecem, contudo, que a música traz inúmeras denúncias por parte da população favelada que reclamam a violência cotidiana, a falta de respeito que sofrem em sua comunidade, e até a impossibilidade de desfrutarem de espaços de diversão, como os famosos bailes funk. O mais intrigante é que ela foi lançada em 1995… Mas, essas questões não são extremamente atuais?

Mais de 10 anos depois do sue lançamento, ao nos depararmos com o noticiário, percebe-se que o sofrimento contido nos versos que fizeram multidões se identificar ainda está claro aos olhos de muitos. Se em 2008 uma esperança de paz foi plantada nos seios de muitos moradores dos morros cariocas com a implementação da primeira UPP no Morro do Santa Marta, hoje ela se encontra muito mais presente nas propagandas governamentais e da iniciativa privada. Na prática, o que se observa é a substituição do controle territorial e do monopólio da violência dos traficantes pelo Estado. A violência que chegou ao ponto de ser naturalizada pelos moradores das favelas não foi de maneira nenhuma extinta, mas, na maioria dos casos, substituída por expressões que não ferem a imagem da cidade. Dessa forma, saem do quadro os traficantes armados para dar lugar ao silêncio perturbador dos moradores a respeito dos constrangimentos que sofrem.

Em reportagem recente do Jornal Nacional, referente à ordem de fechamento do comércio numa área do Complexo do Alemão por traficantes, percebem-se claramente como os moradores se comportam com episódios como este, eles tem medo de falar. Fica evidente um dos principais erros do projeto da UPP: o peso que a voz dos moradores tem na elaboração do projeto, se não nula, quase insignificante. Assim, versos como “Com tanta violência eu tenho medo de viver/ Pois moro na favela e sou muito desrespeitado”, são totalmente verossímeis ao cenário atual do Rio de Janeiro, mesmo depois das iniciativas do governador Sérgio Cabral, marcadas pela falta de diálogo. O que se lamenta – e no caso desse texto se protesta! – é que a retomada desses territórios não está sendo acompanhada da inserção da população dos morros ao ideal de cidade pretendida, pois, mesmo a classe média/alta comprando o projeto das unidades pacificadoras, não se identifica a interação cultural e, até mesmo social, entre “morro” e “asfalto”. Preconceitos ainda são marcantes, e as ações do Estado parecem não ir de encontro a isso.

Um dos maiores exemplos é o caso da proibição dos bailes funk nas comunidades pacificadas, medida que fica a cargo dos comandantes de cada unidade. Vítimas de preconceitos enormes no começo do funk no Rio de Janeiro, os bailes que ficavam lotados e começaram em ruas e comunidades do subúrbio carioca são a expressão máxima dessa cultura que foi reconhecida como manifestação legítima em 2009, depois de uma lei elaborada pelos deputados estaduais Marcelo Freixo e Wagner Montes. Mas, nos dias de hoje, são proibidos em várias comunidades já pacificadas, e em outras, como a Rocinha, foram reduzidos a um, o Emoções – antes existiam mais de cinco grandes bailes, dentre eles o da Rua 1 –, volta-se, desse modo, aos versos “Diversão hoje em dia não podemos nem pensar/ Pois até lá no baile eles vêm nos humilhar”… A justificativa para a proibição? A sua anterior associação ao tráfico e a apologia ao crime organizado, sintetizadas nas letras dos “proibidões”. Mesmo quando os bailes apresentam um projeto que deixa claro o seu afastamento dessas antigas manchas relacionadas ao domínio dos morros pelos traficantes, eles acabam não se realizando devido aos inúmeros empecilhos burocráticos existentes. O resultado disso é uma afronta à cultura popular carioca que passa por cima até mesmo dos protestos dos moradores pedindo a volta dos bailes.


Assim, a mensagem passada por Cidinho e Doca em meio a euforia dos anos 1990, década do boom das bandas de rock nacional, do pagode romântico e das vitórias de Airton Senna, continuam totalmente atuais e mantém a sua essência primeira. O cerceamento político e social sofrido pela população de inúmeras comunidades cariocas ainda é um dos tópicos principais das políticas públicas do estado e do município do Rio, e a inserção de forma plena deles é imprescindível para o progresso verdadeiro da cidade. Pensá-la a partir de todos é o desafio, ou cairemos nas mesmas contradições: a classe média/alta acha bom o projeto da UPP porque “melhora” a condição de vida das comunidades, porque assim eles não ficam invadindo o seu espaço de sociabilidade – prova disso é o intenso protesto com a construção do Metrô do Leblon e Ipanema que se vê atualmente. Talvez esse fosse o melhor momento para tentar mudar essa situação, aproveitando o contexto de investimentos para Copa do Mundo e Olimpíadas e construir uma ideia de cidade inclusiva e democrática onde a população teria a consciência que todos têm seu lugar.

Diego Uchoa é graduando em História pela UFF

Agora, mas não o Agora, grupo do qual o Jean fez parte - Claudio Cabral


                           Agora escrevo letras que talvez não sejam letras no sentido tradicional, ou melhor, no sentido menos tradicional do termo letras, ou seja, aquele de letras a, b, c, d, etc, o sentido tradicional das letras, eu escrevo no outro sentido, digo, não o das letras de música, essas amor dor terror pudor horror, mas essas a, b, c, d, e as  escrevo porque estou em Paris, morando em minha primeira semana nesta terra que chamo Paris, que não é Páris, o do épico grego, que talvez tenha outro nome, mas não me lembro bem, mas Paris a cidade-luz ironicamente a cidadessubterrâneo, de acordo com o novo acordo gramatical que diz que o hífen deve morrer, e que vale a supremacia da letra dupla quando se trata de “r” ou ass(e), mas é mesmo assim a cidadessubterânea porque tem um, não, porque tem vários subterrâneos, tem suas catacumbas, que tem cadáveres e originaram o gótico, não o gótico arquitetônico, mas o gótico da zuera, ou seja, o gótico do pessoal da década de setenta que gostava de beber e vivia em Paris, no subterrâneo, e teve até salas de cinema no subterrâneo de Paris, aquela que tem um outro subterrâneo, o metrô, que é mais comum e extremamente subterrâneo, diferente das catacumbas, que são um pouco incomuns, porque a maior parte delas foi fechada e hoje em dia só há alguns quilômetros de catacumba aberta, mas em compensação há muitos quilômetros de metrô que podemos usar, assim como os góticos também usam, mas hoje em dia não está tão na moda, não o metrô, mas ser gótico não no sentido do gótico arquitetônico, como já disse, mas desses que gostavam de beber nas catacumbas de paris na década de setenta, na verdade a ideia de cidadessubterrânea veio do Jean, o Jean é um amigo meu que é filósofo, mas na verdade e na origem também é músico, apesar de ser um bom filósofo, digo, é o que ele diz eu não conheço de filosofia, mas parece que ele realmente é um bom filósofo, é um cara com muitas referências e que consegue citar muitas coisas e que tem muitos pontos bons sobre muitas coisas e que me ensinou muita coisa interessante sobre a área dele que é a ontologia que é uma área muito boa digo muito maneira digo uma área muito interessante da filosofia é a área que trata do essencial das coisas mas não sei se eles usam o termo essencial talvez seja coisa de outra linha da filosofia essa do essencial que talvez não seja a do Jean que é meu amigo que mora não morou em Paris faz um tempo e me disse que quando falam que tem um beliche na real são duas mesas uma em cima da outra ele é um cara muito sábio mas Paris é uma cidade complicada mas o Jean disse que Paris é uma cidadessubterrânea numa conversa comigo e numa gravação que ele fez num porão no qual morou mas não mora mais apesar de já ter morado e não ter gostado o que importa é que fiquei com a ideia de cidadessubterrânea na cabeça e ela me vem à mente toda vez que penso em Paris e que ando de metrô e que fico sem espaço● 

Claudio Cabral é graduando em música pela Universidade Paris VIII

quarta-feira, 25 de setembro de 2013

Edição Marshall Berman (setembro-outubro de 2013)



Conteúdo:


1. Obituário – Marshall Berman, ícone do crimepensar*, aos 72 anos -- Antonio Kerstenetzky


2. Marshall Berman: Tudo que é sólido... terá um futuro, o Modernismo? (English Version)


3. A vida escorre por entre os dedos: Uma resenha de Tudo que é Sólido Desmancha no Ar -- Pérola Lannes


Clique aqui para baixar a Folha em PDF, assim como foi distribuída!

Marshall Berman: All That is Solid... Has Modernism a Future?

Marshall Berman was a Distinguished Professor at the City College of New York and at the City University of New York Graduate School. He counts among his most important works books such as All That is Solid Melts into Air (1982) and Adventures in Marxism (1999). The following text is being published for the first time by A Folha do Gragoatá. A version translated into Brazilian Portuguese is also available.








“You and your book have depoliticized Brazillian

youth. When that book came out, they cared for

each other, for other people, for their country. Now

they only want to make money, thanks to you.”

--Rio de Janiero, 2010



“Are you Marshall Berman? Ten years ago, I was

in the hospital. Your book got me out.”

--Downtown Manhattan, 2011

This book of mine, All That Is Solid Melts Into Air, has been an adventure, maybe the great adventure of my life. Over three decades, it has had more intense reverberations than anything I’ve ever done, reverberations just around the corner, reverberations thousands of miles away. It has amazed me to see total strangers respond to it with passion. Sometimes, it has helped them, in ways that have thrilled me. Sometimes it has enraged them, like something disgusting and loathsome. For all these years, the book seems to have been there for people. It has been through plenty of history, and it has helped me become part of the history of places whose history I never knew.

All That Is Solid is actually my second book. My first book, called The Politics of Authenticity, a discussion of Montesquieu, Rousseau, and the Enlightenment, was published by Atheneum Books in 1970. Alas, my publisher lost interest in it, and sold the whole edition to a big discount house, before it actually came out. It got a couple of nice reviews, and a couple of nasty ones. (One of the nasty ones said books like mine helped to “destroy civilization”.) I am glad to say it has been reprinted, and is available again. During the 1970s I wrote many critical articles, for the New York Times Book Review, the Nation, Partisan Review, and Dissent (of which I am an editor today). I came to believe that my first book had not got across to the world because it had too narrow an expanse; the horizon of my next project needed to be larger. When I first conceived All That Is Solid, I imagined it in a very broad way: a vision of modern life with global scope, a cosmopolitan perspective that could embrace not only my neighborhood but the whole world, and that could help empower men and women everywhere. That was all! The book appeared in 1982, published by Simon and Schuster. Once again, it got a couple of enthusiastic reviews, but it didn’t seem to have much impact on anyone. Its publisher placed it in an ominous category of being: “Indefinitely Out of Stock”. This was a limbo that no one could penetrate. (I couldn’t even get the book to use in my classes.) It was only after a couple of years of nasty exchanges, and threats of lawsuits, that my agent Georges Borchardt pried the book loose. Now it was “out of print”, but at least I had “the rights”; now there was still a chance the book might have a future, might make it into the world after all. 

Then, in the mid-1980s, even as I felt ignored—in a way I can see now that young writers often feel ignored—across various oceans, my book was getting discovered. It appeared in a wide range of places: the UK, Italy, Sweden, Spain/ Mexico, Brazil. The buzz in Latin America was especially striking. For years, Latin intellectuals had rejected the whole “modern” paradigm as an ideological weapon of the USA or of “the North”. But in All That Is Solid, a great many Latin Americans seemed to find a vision of the modern that they felt was about them. 

This led to my visit to Brazil in the summer of 1987. 

It was an uncanny time. In Andy Warhol’s phrase, I was famous for fifteen minutes. Not everybody loved me: I criticized Brasilia’s design for its lack of public space; then Oskar Niemeyer, the Communist Le Corbusier disciple who had designed the capital, told one of the national newspapers ---it was a page-one headline--“NIEMEYER : BERMAN IDIOTA!” But for plenty of Brazilians I was saying something they were sure was true but wouldn’t dare to say. In Sao Paulo, reporters met me at the plane, people stopped me on the streets, motorists honked their horns, strangers phoned me late at night. Everything I said seemed to evoke thunderous applause. I was acclaimed by people all over Brazil’s social order, from mayors and state governors, to shop stewards from the Metal Workers Union, Lula’s union—such brilliant people, I thought, Brazil would be so lucky if they ever got any power-- and then in the 2000s, under Lula, some of them really did get some power--to uniformed cooks and kitchen workers in my Sao Paulo hotel—a man in a kitchen uniform knocked on my door, said he loved my book, asked me to sign it, said I had many readers in the kitchen—I came down, spoke for a few minutes, and signed books I could tell had been seriously read; to a jazz singer who stopped her set to point me out; to a potter who saw me waiting for the bus, rushed out of his shop, and gave me a beautiful bowl “to say thank you.”

Once, on a radio talk show, I asked why Brazilians liked me so much. The moderator said that Latin America was used to Marxists who wore black suits like Jesuits and condemned everything; I was a Marxist who thought critically, but I wore color and celebrated love and happiness. A man from the audience added something: “You give a great commercial for freedom of speech.” For Brazilians, this was a time of hope. They were caught up in the process of becoming a modern and a democratic place. They were coming out of the shadows, after years of “dirty wars”. They could walk through the streets, without fear of being killed. Friends and children had stopped disappearing. Free speech was coming back. Could I be helping people talk again? Once, after explaining the Russian Revolution, I was asked if I could also explain my dream life: Did I have dreams in Brazil? How did they compare with my dreams in the USA? (Later, on the plane back to New York, as we cleared the mountains, I saw the answer: My whole month in Brazil has been a dream.) 

Brazil was a thrill, but it also had a happy afterlife.

The tummel over there helped convince American publishers that my book could have a future here. American Penguin brought out a paperback in 1988, including a Preface (sadly dropped from Verso’s new 2010 Edition) that features Brazil and Dostoevsky. Like the UK’s Verso edition, the American Penguin has had limited but steady sales, over three decades. In the 1990s and 2000s, through the modern magic of translation, the book reached into some very different places: Iran, Poland, China, and back into Brazil, where there was a new translation just a couple of years ago. Meanwhile, it was translated into Lisbon Portugese (a different language, from the Brazilian, so they told me), Turkish, French, Korean, Polish, Chinese, Lithuanian; within the next few months, in Hebrew. My book has been around for thirty years. You could see it as part of a global culture, or as part of an argument that there is such a thing as global culture. I always had hopes for something like this, but it’s amazing to see old and deep fantasies come true. 

Back in the USA the book made some nice things happen. Film-maker Ric Burns, after reading my New York chapter, brought me into the seven-hour documentary History of New York that he was creating for PBS, America’s Public Broadcasting Service. It was the best visual project I’ve ever been involved in. PBS soon placed the series in repertory; it plays a big role in recurrent PBS fund drives, and it gave me a whole new identity. I still get stopped in the streets or on the CCNY campus or honked at from trucks by people who know me only as “Berman the urbanist…that character on TV”. 

But most of all, I talk to schools, all over the USA, all over the world. Schools are where I’m at home, and schools seem to be where people are most at home with me. The nice things and the nasty things people say about the book haven’t changed much, though much of the world has turned upside down. I try to talk across genres (which means, in schools, across departments): to show literary people how deeply modern literature, or at least a lot of it, is embedded in urban reality, and to show architects or planners how their projects and paradigms grow out of already developed cultural discourses and myths. 
When I talk with urbanists, they want most to talk about Jane Jacobs and Robert Moses, polar stars of my chapter on New York. They are fascinated with the turbulent years when suddenly, in New York and other American cities, men and women began to think and act like citizens, and an urban public came into being. I was there for all this, and I love to tell the story; it still sounds fresh and vital. What stopped Robert Moses in his tracks was a great wave of collective learning. Americans came to see their cities could not be taken for granted, they were mortal and vulnerable, they needed to be nurtured and cared for, and ordinary people had the capacity to grasp the idea and act it out. In New York and other cities, despite their many polarizations, the horizon of empathy expanded: people came to see the point of keeping other people’s neighborhoods alive, even if they didn’t like the people and would never go to their neighborhoods or share their life. The 1960s featured millions of ordinary people who not only loved their cities, but thought like citizens. As this public developed, the Lebensraum for imperial bureaucrats shrank fast. When Moses died in 1981, he had come to feel, like so many of his victims—like my family in the 1950s-- displaced and desolate. But it was amazing, uncanny, that this should have happened. How come it happened? Is there anything that could make something like it happen again? I don’t know —you could say, the answers are blowing in the wind—but just to raise the questions is an education for us all. 

Alongside my stories of modern progress and growth, there looms a vivid story of modern collapse and desolation: the ruins of the South Bronx. In the 1970s, I walked through those ruins obsessively, as if trying to penetrate to some mystical core. My quest for a core of meaning inside the ruins is one of the forces that drives All That Is Solid and gives it life. 

But later, as years went by, I came to feel the ruins were too much for me, and I stayed away. I never thought it would change in my lifetime; I couldn’t imagine how. But then it was 2005, I was riding the “el” to the Bronx Zoo with my son and his class, passing directly through where I knew the wreckage was, I stood up, craned my neck, braced myself, and--THE RUINS WERE GONE! In their place, as the train rode north, I saw ordinary apartment houses, trucks unloading, kids on bikes, old people on folding chairs—the whole shmeer of everyday modern city life. “Look!” I said to the teachers on the train with me, “it looks like an ordinary city.“ They said, “well, isn’t the Bronx an ordinary city?” I noticed then how young they were. When “The Bronx [was] Burning!” these girls weren’t even born. Now, it looked like nothing special—and yet, miraculous. The South Bronx today is a great story, a fine instance of the resilience of modern cities, and of modern men and women, who have the capacity both to commit urbicide and to overcome it; to reduce their whole environment to ruins and to rebuild the ruins; to turn apocalyptic surreality into ordinary nice urban reality where any of us could feel at home. 
The other group that has paid All That Is Solid special attention are the writers and critics from English and Comparative Literature departments on both sides of the Atlantic. They have especially enjoyed my take on Baudelaire, on the connection between metropolitan life and inner life. I have had many happy hours “doing” Baudelaire, bringing out his romance of a city of crowds, vibrating with mutual fantasy and desire. Baudelaire imagines a new form of writing that is also a new form of urban development, and also a new form of democratic citizenship, and also a new way of being fully alive. 

But Literature departments were also the source of some pretty nasty attacks. People would denounce the universality of my horizon. They appointed themselves as Olympian judges of values, and said that I was “imposing modern values” on cultures that “have different values”. (Somehow they had picked up the authority to say what values were appropriate for everybody.) These cultures-- sometimes particular ones, geographically or religiously or ethnically defined, sometimes all cultures--were portrayed as innocent, and I was a kind of cultural rapist violating their innocence. Discussions of All That Is Solid got weird: critics took whatever features of modern life most disturbed them, and spoke as if I had magical power to make those things happen. Rage against my book often went with a reification of “tradition”: as if all the cultural, religious and political traditions in world history were alike; or as if they were uniformly benign; or as if people simply are whatever tradition they grew up with—are orthodox Jews, are Nordic farmers, are Sicilian fishermen, are devout Communists --and if they come to think differently, or secede from their parents’ world, or fall in love with the wrong people, or get the wrong ideas, it is only, as that man from Rio said, because “outside agitators” like me have messed their minds up. 

For years I worried, How can I please these people? It took me awhile to get it: Forget it. It’s all part of a Culture War that has been going on since the Enlightenment. One of the weirdest facets of modernity is all the cultural energy that gets poured into a dreadful but ultimately hopeless quest to get out of modernity. Dostoevsky’s “Legend of the Grand Inquisitor” prophesies the power of this quest It is a primary source of the romance of totalitarianism--fascist, Stalinist, fundamentalist—that has driven so much modern history. 

It would be dumb not to be sad about our time’s overflow of violence. Still, when I wrote All That Is Solid, I meant to enroll myself in those times. If some of that emotional violence is aimed at me, I have to say Yes when they call the roll.

Lately my book has been getting trashed by leftists --see that quote from Rio in 2110--who say my work and I are not left enough. I see modern bourgeois society as a mix, full of contradictions, creative as well as monstrous; such a vision, one recent critic says, marks me as a “collaborationist”. This sounds a lot like what some of Marx’s attackers on the left--Proudhon, Bakunin, and their dumb followers—used to say about him. Are they playing that song again? If he could take it, I can.

One great leap forward in the history of the worldwide left is the breakdown of Leninism, with its romance of “the vanguard”, and its contempt for democracy, civil liberties, and the people. The fall of the Berlin Wall in 1989 is one important symbol of this change. But even before that, within left institutions, times were a-changing. Nelson Mandela, while he was still a prisoner at Robben Island, was convinced (so he said) by fellow-prisoner Joe Slovo, a lifelong communist and fellow leader of the ANC, that a free South Africa would have to have a full separation of powers, a constitutional court that could overrule the legislature, and a bill of rights. It is clear today, as it should have been all along, that the left is committed to human rights. I’m glad I can pass the word on. 

One human right that seems to embarrass both academic and political writers, who often leave it out, but that real people know is crucial to living a good life in the modern world, is the right to love. I have written about love (see Gretchen and Faust in Chapter One, and see The Politics of Authenticity), but not enough; I will write about it now, in my old age. Love is not just an accessory of meaning; it is central to what human life can mean. Ideas of love go back into ancient times, but for most of history it has been understood as a privilege—even though an often tragic one--available only to a privileged few. A prime meaning of modernity is that the horizon of love opens up to embrace everybody. In Goethe’s Faust, Gretchen, a girl who does housework and childcare, is transformed by love into a tragic Mensch. In Mozart’s Magic Flute, performed in the revolutionary year of 1791, the lovers are comic: the bird-catcher Papageno and his beloved Papagena, who rejoice in their commonness, threaten to steal the show. Once people have seen and heard them—and some of Mozart’s loveliest music is theirs--talking about love as a human right will seem perfectly natural. (And accounts of the opera that leave them out will sound very weird.) But what social conditions will it take? Here are a few: crowds of metropolitan density, where strangers can encounter each other and sometimes become loving couples; sexual freedom, where lovers can not only feel joy but learn intimacy, and discover each other in depth; freedom to marry, across the lines of class and religion and ethnicity, to make love the basis of lives that will carry life on. 

Freedom to marry is a crucial issue. It suggests that Romeo and Juliet is our first modern play. Leonard Bernstein and Jerome Robbins’ musical West Side Story brings the tragedy home. Jane Austen’s novels are all about this; so are Shalom Aleichem’s stories, “Tevye and his Daughters”, and the 1960s musical drawn from them, Fiddler on the Roof. I have spent my working life in a school and a city that, in the late 20th century, have filled up more and more with immigrants. Our CCNY cafeteria is an amazing microcosm of the world. Yet many of the students in it have grown up in families and neighborhoods that are closed and exclusive, steeped in sexual and religious and ethnic taboos, walled off from the world. Love blooms where it will; but for couples, especially for women, who dare to “cross the lines”, the tragic potentialities are real. (Do you remember the stirring song by Tracy Chapman “Across the Lines”? If you don’t, type it in tonight!) Still, sometimes Papageno and Papagena overcome: you can see them together on Saturdays, shopping in markets or malls, exhausted but radiant, with strollers and kids in colors never known to man. 

A great hero of love died not long ago: a black woman named Mildred Jeter Loving. She and her husband Robert married across the lines in the 1950s. The state of Virginia did all it could to destroy them; it focused its wrath particularly on her. But she pressed their case, and years later, the Supreme Court, in a thrilling decision, Loving v. Virginia (1967), destroyed all the barriers to marriage between blacks and whites. Some of these barriers are older than the USA itself; Virginia’s Racial Integrity Act goes back to the 1630s, not just to slavery, but to the earliest days of European settlement of the New World. Attorney General Bobby Kennedy and Chief Justice Earl Warren deserve great credit for making this case happen. But the real heroes were the Lovings themselves, Papagena and Papageno confronting the dragons of a potentially free but still malevolent state. The Loving complex of ideas may soon, in the USA, become the constitutional basis for Gay Marriage. If that happens, it will be a great victory for the right to love. Loving will remind us that even in the most advanced countries in the world, modern rights are something men and women have to fight for.

Early in the 2000s, a grad student who came from the advertising business said he was glad to be reading a book that “has legs”. I liked the idiom, which denotes products, including cultural products, that have a shelf-life longer than other products. But I see now the term has another, richer meaning: the capacity to carry a product into regions the producer never dreamed of. This happened to my book a generation ago in Latin America, and now, in the 2000s, it has happened in the Middle East. Typically for our century, much of the change has happened on the Internet, but some of it happened—and is still happening—face to face. 


Some new things unfolded right here in my own city, in the movement that the movers themselves called “Occupy Wall Street”. I’m not going to talk about this in any detail, except to say a couple of things. First, it is thrilling to be close to this tremendous outburst of intelligent energy, to be able to participate in it. Second, the concept of Occupy, its combination of critical militancy, social perspective, openness and self-satire, is an uncanny contribution to Modernist

Manhattan. My mother would have said, had she lived to see it, You can get there on the subway. Her point was that Manhattan is free enough that you can be there, and real people like all of us taking the subway to be there gives the event an unexpected existential power.)

But All That Is Solid also took on more life in countries with only the most fragile liberal and democratic traditions—or sometimes even less. In places where all parties have taken for granted the total passivity of the people, it is a thrill to see masses of people display themselves and engage the bad guys. They have real bastards and creeps above them, and it is likely to take many more winters before anything that they or we can recognize as spring can come. But that gives us time to affirm our solidarity with them, and to tell the world that “The Arab Spring” is “Not Just For Arabs.”

The current round of protest and fights for human rights in the Middle East began in Iran. Early in the 2000s, I started getting e-mail letters from Iranians. They introduced themselves; some told me they hoped they could speak their real names, but not yet; others, apparently younger, seemed more direct; two or three were young women. They said All That Is Solid was circulating in Farsi in bootleg form, and they all had found it a source of inspiration. In the early 2000s it came out as a book, an elegant forbidden book. A couple of years ago, I got one in the mail. [SHOW BOOK] 

Some of my Iranian correspondents came from newspapers and magazines, all vulnerable; others were from Iran’s remarkable samizdat film industry. Some had been imprisoned and tortured. They shared a hatred for the theocratic police state, but some of the older writers also said they felt guilty for what happened to Iran in 1979. Then, they had disastrously “got it wrong”. Now, they hoped to have “a chance to get it right”. Thirty years in a police state had given them “some idea what freedom means.” One man said, “Maybe now Iran is ready to be modern.” 

In 2008-09, messages from Iran grew more explicitly political. A liberal politician, who had been in prison for ten years, called me: would I please meet him and “explain the separation of church and state”? (I was glad to.) A woman editor asked, could I tell her readers “the meaning of the Bill of Rights.” (The government soon closed her paper.) I was thrilled to be doing political theory in such an urgent situation, and proud that imperial America still had something real to teach the world about being free. 



Late in 2008, I got a message from Iran that the stream 

of messages I was getting would probably stop soon. (Indeed, it did.) The state was getting more adept at censoring the Internet. And “It is not that we have forgotten you. It will mean we are in prison. But we will come out.” 



And then, in the summer of 2009, there they were, with 

a million people like them, out in the streets of Tehran, forming The Green Wave. And this time, unlike 1978-79, there were women in the crowd. A crucial thing to look for, in mass photos and newsreels: Are there women in the crowd? Are women taking initiative? Are men accepting their presence? Helping them be there? Crucial signs of promise. In Egypt, in another Islamic capital, women played a big role in the fight 

for human rights that broke out in 2011. Priests and soldiers worked to push them offstage. But many women wouldn’t go. They risked arrest and abuse, and shouted, “I exist! We exist!” 

It was great to see the protest grow, and easy to underestimate the old ruling classes’ staying power. Marx, 

in 1848, says in one of the great modern books, the Communist Manifesto, that people who are just learning to stand up should not expect to win it all. More likely, they will lose. But even when they lose, he says, “the real fruit” of their struggles is in the long-term “ever-expanding union” they can create. We need to remember this when the old ruling classes take back the streets.

Something like this happened in Iran. I grow old, but not too old to feel the rush of life when modern men and women get out and fight to make a place for themselves in the streets. Last summer, in July 2012, I got this e-mail note: “I am an Iranian woman and a Ph. D. student. “ She says, about All That Is Solid, “I can use and understand all meaning in this book. I just say this book is my favorite book, and as a student who lives in other side of the world I should say thank you.” As a writer who has always tried to help people step out and put themselves in the picture, I should say thank you, too.

In that year of The Green Wave, somebody asked me, wasn’t I worried that All That Is Solid Melts Into Air “was being used for political ends”? I said I would be thrilled if anybody out there could find a way to use my work. An editor of an Iranian paper, later seized, phoned and asked if I had any advice; I said, The streets belong to the people, Stand up for human rights, Stay alive. I will be happy if I can help anybody see this way, do these things, be here now. In the 1860s, the hero of Dostoevsky’s Notes from Underground defined a great modern tradition of fighting, if necessary maybe even fighting alone, for human rights in the streets. (My chapter on St. Petersburg, “The Modernism of Underdevelopment”, lays it out.) Women saying “I exist! We exist!” in theocratic streets, and saying it in the faces of ruling classes that look through them, show us modernism today is as alive as ever, and show us it has plenty to live for. 

City College, City University of New York

October 2012

Marshall Berman: Tudo que é sólido... terá um futuro, o Modernismo?




Marshall Berman era Distinguished Professor no City College of New York e na City University of New York Graduate School. Entre suas principais publicações estão Tudo que é Sólido Desmancha no Ar (1982) e Aventuras no Marxismo (1999). O texto a seguir é inédito está sendo publicado pela primeira vez pela Folha do Gragoatá. A tradução é de Antonio Kerstenetzky e Hugo Arruda.




“Você e seu livro despolitizaram a juventude brasileira. Quando seu livro saiu, eles se importavam uns pelos outros, por outras pessoas, por seu país. Agora, só querem fazer dinheiro, graças a você”. – Rio de Janeiro, 2010

“Você é o Marshall Berman? Anos atrás, estava no hospital. Seu livro me tirou de lá” – Downtown Manhattan, 2011.



Este meu livro, Tudo que é Sólido Desmancha no Ar, tem sido uma aventura, talvez a maior aventura de minha vida. Em três décadas, ele teve reverberações mais intensas que qualquer outra coisa que eu tenha feito: reverberações logo ali na esquina, reverberações a quilômetros de distância. Fico impressionado com a forma como estranhos respondem a ele com paixão. Às vezes, o livro os ajudou, de formas que me emocionaram (thrilled). Às, os enraiveceu, como algo repugnante ou odioso. Através dos anos, o livro parece ter estado aí (been there) para pessoas. Ele passou por muita história, e ajudou com que eu me tornasse parte da história de lugares que nunca conheci.

Tudo que é Sólido é, na verdade, meu segundo livro. Meu primeiro, A Política da Autenticidade, uma discussão sobre Montesquieu, Rousseau e o Iluminismo, foi publicado em 1970. Meu editor, infelizmente, perdeu interesse pelo livro, e vendeu toda a edição com um grande desconto, antes mesmo que fosse lançada. Consegui uma boa resenha ou outra, além de algumas bem destrutivas. (Uma das mais destrutivas dizia que livros como o meu ajudavam a “destruir a civilização”). Fico feliz que tenha sido reimpresso, e está disponível novamente. Nos anos 1970, escrevi muitos artigos críticos, para o New York Times Book Review, a The Nation, Partisan Review e Dissent (da qual sou hoje editor). [N. do T. Estas últimas, revistas proeminentes da esquerda americana]. Cheguei à conclusão que meu primeiro livro não alcançou mais pessoas porque seu objetivo era muito limitado; o horizonte de meu próximo projeto precisava ser maior. Quando primeiro imaginei Tudo que é Sólido, o fiz de forma bem ampla: uma visão da vida moderna com um alcance global, uma perspectiva cosmopolita que deveria abarcar não só meu bairro mas todo o mundo, e que poderia ajudar a encorajar (empower) homens e mulheres em todos os lugares. Só isso! O livro saiu em 1982. Mais uma vez, conseguiu algumas poucas resenhas entusiasmadas, mas não pareceu ter tido grande impacto em ninguém. O editor o classificou em uma agourenta categoria: “Indefinidamente fora de estoque”. Um limbo que ninguém poderia penetrar. (Nem eu conseguia o livro para usar em meus cursos.) Foi só depois de alguns anos de sórdidas conversas e ameaças de processos que meu agente conseguiu libertar o livro. Agora ele estava “esgotado”, mas pelo menos eu tinha “direitos” a ele; agora o livro tinha a possibilidade ter um futuro, de se entrar no mundo depois de tudo.

Aí, na metade dos anos 1980, enquanto me sentia ignorado – de uma forma que posso ver agora jovens escritores frequentemente se sentindo ignorados – do outro lado de vários oceanos, meu livro começou a ser descoberto. Ele apareceu em grande variedade de lugares: o Reino Unido, Itália, Suécia, Espanha/México, Brasil. A agitação na América Latina foi especialmente surpreendente. Durante anos, intelectuais latino-americanos negaram todo o paradigma do “moderno” como uma arma ideológica dos EUA ou “do Norte”. Mas em Tudo o que é Sólido, vários latino-americanos pareceram achar uma visão do moderno que eles sentiram ser sobre eles.

Isso levou à minha visita ao Brasil, no verão de 1987. Era um tempo curioso. Para usar a expressão de Andy Warhol, eu era famoso por 15 minutos. Nem todos me amavam: eu critiquei a arquitetura de Brasília por sua falta de espaços públicos; Oscar Niemeyer, o discípulo comunista de Le Corbusier que tinha desenhado a capital, disse a um dos jornais nacionais – saiu na manchete da capa – “NIEMEYER: BERMAN IDIOTA”. Mas para muitos brasileiros eu estava dizendo algo de que eles tinham certeza, mas que não ousavam dizer. Em São Paulo, repórteres me recepcionaram no avião, pessoas me paravam na rua, motoristas buzinavam, estranhos me ligavam tarde da noite. Tudo o que eu dizia parecia provocar aplausos estrondosos. Fui aclamado por pessoas de todos os estratos sociais brasileiros, de prefeitos e governadores a vendedores de lojas, do Sindicato dos Metalúrgicos, o sindicato de Lula – gente tão brilhante que, pensei, o Brasil teria sorte se algum dia eles tivesse algum poder – e aí, nos anos 2000, sob Lula, alguns deles realmente ganharam algum poder – a cozinheiros e trabalhadores da cozinha do meu hotel em São Paulo – um homem com uniforme de cozinha bateu na minha porta, disse que tinha amado meu livro, pediu que o autografasse, e disse que eu tinha muitos leitores na cozinha – desci, falei por alguns minutos, assinei autógrafos em livros que, dava pra dizer, tinham sido lidos a sério; a uma cantora de jazz que parou seu show ao me reconhecer; a um oleiro que me viu esperando um ônibus, correu para fora de sua loja e me deu uma linda vasilha “como forma de dizer ‘obrigado’”.

Certa vez, em um talk show numa rádio, perguntei por que os brasileiros gostavam tanto de mim. O moderador disse que a América Latina estava acostumada a marxistas que usavam ternos pretos, como jesuítas, que condenavam tudo; eu era um marxista que pensava criticamente, mas ao mesmo tempo eu usava roupas coloridas e celebrava o amor e a felicidade. 

Um homem na plateia adicionou algo: “Você é como um ótimo comercial pela liberdade de expressão”. Para os brasileiros, aquela era uma época de esperança. Eles estavam no meio de um processo de tornar-se um lugar moderno e democrático. Estavam saindo das sombras, depois de anos de “guerras sujas”. Podiam andar pelas ruas, sem medo de serem mortos. Amigos e filhos pararam de desaparecer. A liberdade de expressão estava voltando. Será que eu estava ajudando as pessoas a falarem de novo?

Certa vez, depois de explicar a Revolução Russa, fui perguntado se poderia revelar meus sonhos. Tinha eu sonhos no Brasil? Como eu os comparava aos sonhos que tinha nos EUA? (Mais tarde, no avião de volta para Nova York, quando saíamos das montanhas, vi a resposta: Todo este mês no Brasil foi um sonho).

O Brasil foi uma loucura, que teve também uma vida feliz posterior. O tummel lá ajudou a convencer meus editores americanos que o livro poderia ter um futuro aqui. A Penguin introduziu uma versão em capa mole em 1988, incluindo um prefácio (que infelizmente não está na edição da Verso de 2010), em que falo sobre o Brasil e Dostoievski. Como a edição da britânica Verso, a edição da Penguin americana tem tido vendas limitadas mas estáveis, em mais de três décadas. Nos anos 1990 e 2000, através da mágica Moderna da tradução, o livro chegou a alguns lugares bem diferentes: Irã, Polônia, China, e de volta ao Brasil, onde recentemente saiu uma nova tradução (Cia das Letras, 2007). Enquanto isso, saiu uma nova tradução em português de Lisboa (uma língua diferente, pelo que me dizem), turco, francês, coreano, polonês, chinês, lituano; nos próximos meses, em hebraico. Meu livro tem estado aí por trinta anos. Pode-se vê-lo como parte da cultura mundial, ou como parte de um argumento sobre a existência de uma cultura global. Sempre tive esperança sobre algo assim, mas é impressionante ver fantasias antigas e profundas virando verdade.

De volta aos EUA, o livro fez algumas boas coisas acontecerem. O cineasta Ric Burns, depois de ler meu capítulo sobre Nova York, me incluiu no documentário de sete horas History of New York que ele estava criando para a PBS [N. do T. PBS é a televisão pública dos EUA]. Foi o melhor projeto visual em que me envolvi. A PBS logo colocou a série em seu repertório; ela cumpre papel importante nas tentativas de levantar doações da PBS, e me deu toda uma nova identidade. Volta e meia sou parado nas ruas ou no campus do CCNY, ou por buzinas de pessoas que me conhecem só como “Berman, o urbanista... aquele cara da TV”.

Mas, mais que tudo, eu falo em universidades, em todo os EUA, em vários lugares do mundo. Em universidades é que me sinto em casa, e é lá que as pessoas parecem se sentir mais confortáveis comigo. As boas e as más coisas que as pessoas dizem sobre o livro não mudaram muito, mesmo se a maior parte do mundo virou de cabeça para baixo. Tento falar para todos os tipos (o que quer dizer, em universidades, para diversos departamentos): para mostrar às pessoas que trabalham com literatura quão profundamente a literatura moderna, ou pelo menos muito da literatura moderna, está embutida na realidade urbana, e para mostrar aos arquitetos ou planejadores urbanos como seus projetos e paradigmas crescem a partir de discursos culturais e mitos que os antecedem.

Quando falo com urbanistas, a coisa sobre a qual mais querem conversar é Jane Jacobs e Robert Moses, estrelas em dois polos opostos do meu capítulo sobre Nova York. São fascinados pelos anos turbulentos quando, de repente, em Nova York e em outras cidades americanas, homens e mulheres começaram a pensar e atuar como cidadãos, e um público urbano começou a existir. Eu estava lá, assistindo, e adoro contar a história; ainda soa fresca e vital. O que impediu com que Robert Moses continuasse foi uma grande onda de aprendizado coletivo. Os americanos perceberam que suas cidades eram mortais e vulneráveis, e precisavam ser estimuladas e cuidadas, e pessoas normais tiveram a capacidade de entender esta ideia e atuá-la. Em Nova York e em outras cidades, a partir de suas várias polarizações, o horizonte de empatia se expandiu: pessoas começaram a perceber porque era importante manter os bairros de outras pessoas vivos, mesmo se não gostassem delas e nunca os visitassem ou compartilhassem de suas vidas. Os anos 1960 foram uma época em que milhões de pessoas comuns passaram não só a amar suas cidades, mas a pensar como cidadãs. Com o desenvolvimento deste público, o Lebensraum [n. do T. Em alemão, no original. “Espaço vital”, termo usado pelos nazistas] dos burocratas imperialistas diminuiu rapidamente. Perto de morrer, em 1981, Moses passou a sentir como muitas de suas vítimas – entre elas minha família, nos anos 1950 – deslocado e desolado. Mas foi impressionante, estranho, que algo assim pudesse acontecer. Como pode ter acontecido? Há algo que poderia fazer com que acontecesse de novo? Não sei – pode-se dizer, que as respostas estão blowing in the wind – mas levantar perguntas já é uma forma de aprender para todos nós.

Ao lado de minhas histórias de progresso e crescimento modernos, espreita uma vívida história de colapso e desolação modernos: as ruínas do South Bronx. Nos anos 1970, caminhei por algumas dessas ruínas obsessivamente, como que tentando penetrar seu núcleo místico. Minha busca por um núcleo que contivesse o sentido daquelas ruínas é uma das forças que conduzem Tudo que é Sólido, e que lhe dão vida.

Mais tarde, conforme os anos avançaram, percorrer aquelas ruínas passou a ser doloroso demais, e me afastei. Nunca imaginei que elas fossem mudar minha vida; não poderia imaginar como. Mas aí era 2005, e estava indo de el [n. do T. “elevated line”, linhas de metrô nova-iorquinas que circulam em estruturas elevadas de metal] para o Zoológico do Bronx com meu filho e sua turma da escola, passando exatamente por onde sabia que as ruínas estavam, me levantei, estiquei meu pescoço, me preparei e – AS RUÍNAS DESAPARECERAM! Em seu lugar, conforme o trem ia para o norte, vi prédios ordinários de apartamentos, caminhões sendo descarregados, crianças andando de bicicleta, velhinhos em cadeiras de praia – todo o schmeer [n. do T. do iídiche, algo como “o todo”] do dia-a-dia de uma cidade moderna. “Olha!”, disse para as professoras que estavam no metrô comigo, “parece uma cidade normal.” Elas disseram “ué, e o Bronx não é uma cidade normal?” Notei então quão jovens eles eram. Quando o “Bronx [was] burning!” [o Bronx estava queimando], essas meninas não tinham nem nascido. Agora, não parecia nada de especial – e, no entanto, milagroso. O South Bronx hoje é uma grande história, um belo caso de resiliência das cidades modernas, e de homens e mulheres modernos, que têm tanto a capacidade de cometer urbanicídio quanto de superá-lo; de reduzir todo seu ambiente a ruínas e depois reconstruir as ruínas; de transformar surrealismo apocalíptico em uma agradável realidade urbana ordinária, na qual qualquer um de nós poderia se sentir em casa.

Outro grupo que prestou uma atenção especial a Tudo que é Sólido são escritores e críticos de departamentos de Inglês e Literatura Comparada, dos dois lados do Atlântico. Gostaram especialmente de minha abordagem de Baudelaire, sobre sua conexão entre a vida metropolitana e a vida “interna”. Passei muitas horas felizes “usando”[doing] Baudelaire, tirando de seu romantismo uma cidade de massas, vibrando com fantasias e desejos mútuos. Baudelaire imagina uma nova forma de escrever que é também uma nova forma de desenvolvimento urbano, e também uma nova forma de cidadania democrática, e também uma nova forma de se estar completamente vivo.

Mas departamentos de literatura também foram a origem de vários ataques particularmente viciosos. Pessoas denunciavam a universalidade da minha visão. Apontavam-se como juízes olímpicos de valores, e diziam que eu estava impondo “valores modernos” a culturas que “têm valores diferentes”. (De algum modo, eles tinham se apropriado da autoridade de dizer que valores eram apropriados para cada uma). Essas culturas – às vezes culturas particulares, definidas geográfica, étnica ou culturalmente, às vezes todas as culturas – eram retratadas como inocentes, e eu era uma espécie de estuprador cultural violando sua inocência. Discussões sobre Tudo que é Sólido se tornaram bizarras: críticos pegavam quaisquer facetas da vida moderna que mais os perturbavam, e falavam como seu eu tivesse o poder mágico de fazer aquelas coisas acontecerem. A raiva contra meu livro muitas vezes vinha com a exaltação da “tradição”: como se todas as tradições culturais, religiosas e políticas da história do mundo fossem parecidas; ou como se todas fossem uniformemente benignas; ou como se as pessoas simplesmente fossem a tradição com a qual cresceram – são judeus ortodoxos, são fazendeiros nórdicos, são pescadores sicilianos, são comunistas devotos – e como se por acaso acontecesse que pensassem de forma diferente, ou renegassem o mundo de seus pais, ou se apaixonassem com as pessoas erradas, ou tivessem ideias erradas, é só porque, como aquele homem no Rio me disse, “agitadores externos” como eu confundiram suas cabeças.

Durante anos, me preocupei, Como posso agradar a essas pessoas? Levei um tempo para perceber: Deixe pra lá. Tudo isso é parte da guerra cultural que acontece desde o Iluminismo. Uma das facetas mais estranhas da modernidade é toda a energia cultural que é jogada na medonha mas em última instância impossível missão de sair da modernidade. Na “Lenda do Grande Inquisidor”, Dostoievski [n. do T., in “Os irmãos Karamazov”] profetiza o poder desta missão. Ela é o material primário de que é feito o romantismo do totalitarismo – fascista, Stalinista, fundamentalista – que conduziu tanto da história moderna. 

Seria burro se não me entristecesse com a inundação de violência de nosso tempo. Mesmo assim, quando escrevi Tudo que é Sólido, quis me inscrever nesse tempo. Se alguma dessa violência emocional me tem como alvo, devo dizer “Presente!” na hora da chamada.

Recentemente, meu livro tem sido atacado por pessoas de esquerda – vide a citação do Rio, em 2010 – que dizem que meu trabalho não é suficientemente de esquerda. Eu vejo a sociedade burguesa moderna como uma mistura, cheia de contradições, tão criativa quanto monstruosa; tal visão, um crítico recente diz, me caracteriza como um “colaboracionista”. Isso soa parecido com o que alguns dos críticos à esquerda de Marx – Proudhon, Bakhunin e seus seguidores burros – diziam sobre ele. Estão tocando aquela música de novo? Se ele pôde aguentar, eu também posso.

Um dos grandes saltos à frente na história da esquerda no mundo foi a dissolução do leninismo, com seu romance da “vanguarda”, e seu desprezo pela democracia, liberdades civis e o povo. A queda do Muro de Berlim, em 1989, é símbolo desta mudança. Mas mesmo antes disto, em muitas instituições da esquerda, os tempos estão mudando [n. do T. no original, times they are a-changing, como na música de Bob Dylan]. Nelson Mandela, enquanto estava preso em Robben Island, foi convencido (assim ele disse) por Joe Slovo, um comunista que era um dos líderes do CNA, que uma África do Sul livre teria de ter separação total dos poderes, uma Corte Constitucional que teria poder sobre o Legislativo e uma Carta de Direitos. Hoje está claro que, para a esquerda, deveria ter sido sempre assim: a esquerda deve se confundir com a defesa dos direitos humanos. Fico feliz que possa ajudar a levar essa ideia adiante.

Um direito humano que parece embaraçar escritores acadêmicos e políticos, que diversas vezes o deixam de fora – mesmo que as pessoas reais saibam que é crucial para uma boa vida no mundo moderno – é o direito a amar. Tenho escrito sobre amor (vide Gretchen e Fausto no Capítulo um de Tudo que é Sólido e vide A Política da Autenticidade), mas não o suficiente; vou escrever mais sobre amor agora, na minha velhice. O amor não é apenas um acessório de sentido; é central para o que pode significar uma vida humana. Ideias sobre amor vêm desde a Antiguidade, mas em boa parte da história tem sido entendido como um privilégio – mesmo que muitas vezes um privilégio trágico – disponível apenas para poucos. Um dos principais significados de modernidade é que o horizonte do amor abriu para incluir todos. No Fausto de Goethe, Gretchen, uma menina que faz trabalho doméstico e cuida das crianças, é transformada pelo amor em um trágico Mensch [n. do T. termo em alemão e iídiche; quer dizer algo como um homem de integridade e dignidade]. Na Flauta Mágica, de Mozart, realizada pela primeira vez no ano revolucionário de 1791, os amantes são cômicos: o apanhador de pássaros Papageno e sua amada Papagena, que se regozijam na sua banalidade, ameaçam roubar a cena. Uma vez que as pessoas os tenham visto e escutado – e algumas das peças mais bonitas de Mozart são deles – falar de amor como um direito humano parece perfeitamente natural. (E representações da ópera que os deixem de fora soariam muito estranhas). Mas que condições sociais são necessárias? Aqui estão algumas: massas de densidade metropolitana, onde estranhos podem se encontrar e às vezes se tornarem casais apaixonados; liberdade sexual, onde amantes podem sentir não só felicidade mas aprender intimidade, e descobrir um ao outro com profundidade; liberdade de casamento, que ultrapasse barreiras de classe, religião e etnia, para fazer do amor a base de vidas que levarão a vida à frente.

Liberdade de casamento é um assunto crucial. Sugere que Romeu e Julieta é nossa primeira peça moderna. West Side Story, musical de Leonard Bernstein e Jerome Robbins traz a tragédia para perto de nós. Os romances de Jane Austen são sobre isso; também o são as histórias de Sholem Aleichem em “Tevye e suas filhas”, e no musical dos anos 1960 tirado delas, O Violinista no Telhado. Passei minha trabalhando em uma universidade e em uma cidade que, no final do século XX, foram preenchidas cada vez mais por imigrantes. A cafeteria do CCNY [n. do T. City College of New York, uma universidade pública] é um microcosmo impressionante do mundo. No entanto muitos dos alunos que dele fazem parte cresceram em bairros que são fechados e exclusivos, cheios de tabus sexuais, religiosos e étnicos, isolados do mundo. O amor floresce onde quer; mas para casais, em especial para mulheres, que se atrevem a “ultrapassar fronteiras”, as potencialidades trágicas são reais. (Lembram-se da provocadora música “Accross the Lines”, de Tracy Chapman? Se não, procure-a agora!). Mesmo assim, às vezes Papageno e Papagena vencem: é possível vê-los juntos nos sábados, fazendo compras em mercados e shoppings, exaustos mas felizes, com carrinhos e crianças em cores nunca antes vistas pelo Homem.

Uma grande heroína morreu não muito tempo atrás: uma mulher negra chamada Mildred Jeter Loving. Ela e seu marido Robert se casaram ultrapassando fronteiras nos anos 1950. O estado de Virginia fez tudo o que podia para os destruir; focou sua fúria particularmente nela. Mas ela foi à frente e, anos depois, a Suprema Corte, numa decisão arrepiante, Loving v. Virginia (1967), destruiu todas as barreiras ao casamento entre negros e brancos. Algumas dessas barreiras são mais antigas que os EUA; a Lei de Integridade Racial da Virgínia existe desde os anos 1630, não só desde a época da escravidão mas também desde o início da imigração europeia para o Novo Mundo. O Attorney General [n. do T. Nos EUA, o equivalente a procurador-geral da república e a ministro da Justiça] Robert “Bobby” Kennedy e o presidente da Suprema Corte Earl Warren merecem grande crédito por terem permitido o que aconteceu. Mas os verdadeiros heróis eram o casal Loving, Papagena e Papageno confrontando os dragões de um Estado potencialmente livre, mas ainda assim malévolo. O complexo de ideias Loving pode, em breve nos EUA, ser a base constitucional para o casamento gay. Se isso acontecer, será uma grande vitória para o direito a amar. Loving nos lembrará que mesmo nos países mais avançados do mundo, direitos modernos são coisas pelas quais homens e mulheres têm de lutar. [n. do T. notar o trocadilho com o sobrenome do casal, que quer dizer, em inglês, “amando”].

Logo no início da década de 2000, um estudante de graduação que vinha do ramo da publicidade disse que estava feliz por estar lendo um livro que "tem pernas". Eu gostei da expressão, que serve para descrever produtos, incluindo produtos culturais, que têm uma vida útil mais longa do que outros. Mas vejo agora que o termo tem outro significado, mais rico: a capacidade de levar um produto a regiões com as quais o produtor nunca sonhou. Isso aconteceu com o meu livro há uma geração na América Latina, e agora, na década de 2000, aconteceu no Oriente Médio. Normalmente, para o nosso século, grande parte da mudança aconteceu na internet, mas algumas aconteceram – e ainda estão acontecendo – cara a cara.

Algumas coisas novas se revelaram aqui na minha cidade, no movimento que os promotores da mudança chamavam "Occupy Wall Street". Eu não vou falar sobre isso em detalhes, exceto para dizer um par de coisas. Em primeiro lugar, é emocionante [thrilling] estar perto de uma tremenda explosão de energia inteligente, de ser capaz de participar dela. Em segundo lugar, o conceito de Occupy, sua combinação de militância crítica, perspectiva social, transparência e auto-sátira, é uma contribuição incomum para a Manhattan Modernista. Se tivesse vivido para vê-lo, minha mãe teria dito: você pode chegar lá de metrô. Seu ponto seria que Manhattan é livre o suficiente para que você possa estar lá, e o fato de pessoas reais, como todos nós, tomarmos o metrô para estar lá dá ao evento um poder existencial inesperado.

Mas Tudo Que é Sólido também levou mais vida a países com apenas as mais frágeis tradições liberais e democráticas – ou até menos que isso. Em lugares onde todas as partes tomaram como certa a total passividade das pessoas, é uma emoção ver massas de pessoas se revelando e se envolvendo com os maus moços. Eles têm bastardos de verdade e monstros como líderes, e é provável que levem muitos invernos mais antes de qualquer coisa que eles ou nós possamos reconhecer como a primavera possa chegar. Mas isso nos dá tempo para afirmar a nossa solidariedade, e dizer ao mundo que "A Primavera Árabe" não é "Apenas Para os Árabes."

A atual rodada de protestos e lutas pelos direitos humanos no Oriente Médio começou no Irã. Logo no início da década de 2000, eu comecei a receber e-mails de iranianos. Eles se apresentavam; alguns me disseram que gostariam de poder falar seus nomes reais, embora ainda não pudessem, outros, aparentemente mais jovens, eram mais diretos; dois ou três eram jovens mulheres. Disseram que Tudo Que É Sólido estava sendo contrabandeado em farsi (persa), e todos eles tinham encontrado uma fonte de inspiração. No início de 2000 ele saiu como um livro, um elegante livro proibido. Um par de anos atrás, recebi um pelo correio. [Mostrar livro]

Alguns dos meus correspondentes iranianos vieram de jornais e revistas, todos vulneráveis​​; outros eram da notável indústria cinematográfica iraniana Samizdat. Alguns foram presos e torturados. Compartilhavam o ódio contra o Estado policial teocrático, mas alguns dos escritores mais velhos também disseram que se sentiam culpados pelo que aconteceu com o Irã em 1979. Que eles, então, tinham desastrosamente "entendido errado". Agora eles esperavam ter "uma chance de acertar." Trinta anos em um estado policial lhes tinha dado "alguma ideia do que significa liberdade." Um homem disse: "Talvez agora o Irã esteja pronto para ser moderno."

Em 2008-09, as mensagens do Irã tornaram-se mais explicitamente políticas. Um político liberal, que tinha estado na prisão por 10 anos, me convidou: será que eu gostaria de o conhecer e “explicar a separação entre a igreja e o estado”? (eu fiquei feliz em fazê-lo). Uma editora mulher perguntou se eu poderia dizer a seus leitores "o significado da Declaração de Direitos." (O governo logo fechou o jornal.) Fiquei emocionado ao fazer teoria política em uma situação tão urgente, e orgulhoso de que a América imperial ainda tinha algo de real para ensinar ao mundo sobre ser livre.

No final de 2008, eu recebi do Irã a informação de que o fluxo de mensagens que eu estava recebendo provavelmente pararia em breve. (De fato, parou.) O Estado foi ficando cada vez mais adepto da censura na Internet. E "Não é que nos esquecemos de você. Isso significará que estamos na prisão. Mas vamos sair."

E então, no verão de 2009, lá estavam eles, com um milhão de pessoas como eles, nas ruas de Teerã, formando A Onda Verde. E desta vez, ao contrário de 1978-79, havia mulheres no meio da multidão. Uma coisa importante a procurar, em fotos em massa e telejornais: há mulheres no meio da multidão? As mulheres estão tomando a iniciativa? Os homens estão aceitando a sua presença? Ajudando-as a estar lá? Sinais cruciais da promessa. No Egito, em outra capital islâmica, as mulheres desempenharam um papel importante na luta pelos direitos humanos, que eclodiu em 2011. Sacerdotes e soldados trabalharam para empurrá-las para fora do palco. Mas muitas mulheres não sairiam. Elas se arriscaram a prisão e abuso, e gritaram: "Eu existo! Nós existimos! "

Foi ótimo ver o protesto crescer, e fácil subestimar o poder de permanência das velhas classes dominantes. Marx, em 1848, diz em um dos grandes livros modernos, o Manifesto Comunista, que as pessoas que estão começando a aprender a se levantar não devem esperar ganhar tudo. O mais provável é que percam. Mas, mesmo quando perdem, diz ele, "o fruto real" de suas lutas é a “união cada vez maior” a longo prazo que eles podem criar. Precisamos nos lembrar disso quando as velhas classes dominantes tomarem de volta as ruas.

Algo semelhante aconteceu no Irã. Eu envelheci, mas não fiquei tão velho a ponto de não sentir uma onda de vida quando homens e mulheres modernos saem e lutam para conquistar seu lugar nas ruas. No verão passado, em julho de 2012, eu recebi isto por e-mail: "Eu sou uma mulher iraniana e uma doutoranda." Ela disse, sobre Tudo Que É Sólido, “eu posso usar e entender todo os significados deste livro. Acabei de dizer que este livro é o meu favorito, e como uma estudante que mora no outro lado do mundo, eu deveria lhe dizer obrigada". Como um escritor que sempre tentou ajudar as pessoas a levantar e se colocar no quadro, devo dizer, também, obrigado.

Naquele ano da Onda Verde, alguém me perguntou se não me preocupava o fato de que Tudo Que É Sólido Desmancha No Ar "estava sendo usado para fins políticos"? Eu disse que ficaria feliz [thrilled] se alguém pudesse encontrar uma maneira de usar meu trabalho. Um editor de um jornal iraniano, que mais tarde seria preso, me telefonou e perguntou se eu tinha algum conselho; eu disse, As ruas pertencem ao povo, Defenda os direitos humanos, Continue vivo. Ficarei feliz se puder ajudar alguém a ver desta forma, fazer essas coisas, estar aqui agora. Na década de 1860, o herói de Notas do Subsolo de Dostoievski definiu uma grande tradição moderna de luta, se necessário, até mesmo lutando sozinho, pelos direitos humanos, nas ruas. (Meu capítulo sobre São Petersburgo, "O modernismo do subdesenvolvimento", fala sobre isso.) Mulheres dizendo: "Eu existo! Nós existimos!” nas ruas teocráticas, e dizendo isso na cara das classes dominantes que olham para elas como se não existissem, nos mostram que o modernismo hoje está tão vivo como sempre, e nos mostram que ele ainda tem muito pelo o que viver.

City College, City University of New York

October 2012 ●